O grande escritor Joe Kelly ("Espetacular Homem-Aranha", "LJA") durante sua fase na revista Action Comics, fez uma das maiores histórias do Homem de Aço. Desenhada por Doug Mankhe ("Coringa: O Homem que Ri") e Lee Bermejo e publicada na edição 775 de Action Comics em março de 2001, "What's So Funny About Truth, Justice & the American Way?" critica o mercado de quadrinhos da época, além de reforçar mais uma vez o que significa o "S" no peito do herói.
Na história, um quarteto de heróis chamado A Elite surge na Terra e começa a enfrentar todas as ameaças presentes matando-as. Indignado com suas ações, Superman decide pôr um fim nas ações dos supostos "heróis" e os confronta.
A história é extremamente divertida e envolvente, o leitor fica na ponta da cadeira acompanhando como Superman irá deter o "heróis" da Elite, ao mesmo tempo que Kelly nos apresenta conflitos éticos que podem desafiar tudo o que o herói acredita e a nossa própria visão de o que é um herói. Pegando um exemplo recente, essa história poderia ser reinterpretada com o Superman dirigido por James Gunn, um herói que preza pela existência de todos os seres vivos e que fará o possível para poder enfrentar a ameaça com o mínimo de danos possíveis, enfrentando o dirigido por Zack Snyder, que não liga para a humanidade, detém os inimigos sem a menor preocupação de quantos prédios irão cair ou de quantas pessoas irão morrer.
Durante a história, Manchester Black, o líder da Elite, confronta Super-Homem dizendo que o conceito padrão de herói, do bem enfrentando o mal sendo puramente uma luta entre dois polos, não é nada realista quando sua mãe está morrendo de câncer e seu pai foi assassinado em uma guerra, ele confronta o puritanismo do Homem de Aço jogando a realidade na cara dele, que nem tudo é preto no branco, dizendo que aquilo era apenas um sonho. No final da história, Super-Homem retruca essa fala assim que ele consegue derrotar os antagonistas dizendo que odiar, sentir raiva, se vingar e todas as coisas que eles representavam eram fáceis, é fácil seguir pelo caminho que o mundo lhe encaminha para ir, mas amar, sentir compaixão, empatia, coisas que o Super-Homem defende, sempre defendeu e sempre defenderá era um caminho onde poucos seguem e que sempre será difícil, citando aqui Michael Jackson: "Se você quer tornar o mundo um lugar melhor, olha para si mesmo, e mude. Hihii."*.
Agora aplicando um pouco de contexto histórico acima dessa HQ como uma folha de papel vegetal devo explicar um pouco sobre como estava o mercado de quadrinhos de super-heróis durante os anos 90.
Em 1986, duas obras cataclísmicas seriam lançadas e impactariam a indústria dos quadrinhos para sempre: Watchmen e The Dark Knight Returns (Batman: Cavaleiro das Trevas), essas duas obras retratavam os heróis de forma mais sombria e realistas, com áreas cinzas e todas essas coisas e ambas venderam muito bem, como água. Assim, na cabeça dos editores veio a equação "sombrio e realista + violência e sangue + super-heróis = Lucro".
Uns anos depois, quando a indústria já havia sido afetada por essa equação e as histórias estavam cada vez mais com seus homens hiperbolicamente musculosos e mulheres extremamente sexualizadas, os sete artistas cujas revistas eram as mais vendidas da Marvel decidem sair da editora e fundar a sua própria, a Image Comics, onde os homens musculosos e as mulheres gostosas chegaram ao seu auge o que ficou conhecido como "A Explosão Image". A editora estreante tinha revistas onde a porradaria e o sangue "comiam soltos".
E do outro lado temos a DC, que em 1989 chamou algum artistas britânicos (a chamada "Invasão Britânica") para escrever novos títulos em sua editora, títulos que seriam focados para um público mais adulto e que seriam (supostamente) mais inteligentes do que os títulos da linha normal, daí vieram Sandman, Homem-Animal do Grant Morrison, Hellblazer, entre outros. Isso culminou mais para frente na linha Vertigo da DC onde os projetos seriam completamente autorais e os escritores teriam total liberdade de sua obra.
Agora eu te pergunto, em uma época onde temos heróis musculosos e porradaria desenfreada de um lado e histórias inteligentes com personagens intrigantes do outro, ambos repletos de áreas cinzas, onde ficam heróis como o Superman, onde as coisas são preto no branco? É isso que "What's So Funny About Truth, Justice & the Amercian Way?" e outra obras como "Kingdom Come" ("Reino do Amanhã") e a edição 7 de "Planetary" satirizam e questionam. Não é a toa que Manchester Black e Menagerie, membros da Elite, se parecem muito com John Constantine -personagem do selo Vertigo que usa sobretudo, fuma e é britânico- e Witchblade -personagem da Image que se fundiu à uma manopla alienígena e possui várias "raízes" por seu corpo-. Joe Kelly critica tudo isso fazendo um comentário metalinguístico em sua HQ.
Em 2012, essa HQ foi adaptada para uma animação chamada "Superman vs. A Elite", eu ainda não assiste mas parece bem maneira, está disponível no serviço de streaming HBO Max se tiver interesse.
Uma coisa que não posso deixar de falar aqui é sobre a arte do gibi, Doug Mankhe é um bom desenhsita e fez uns quadros ótimos, porém a colorização digital da época e os seis arte-finalistas diferentes deixaram a "peteca" da arte cair ás vezes mas ela permanece belíssima. Algo que eu achei engraçado é que o Lee Bermejo desenha apenas 3 páginas na história e o Mankhe fica com todas as outras por algum motivo.
E nesse momento você, caro leitor, deve estar se perguntando: "Por que no título do artigo está escrito 'um futuro melhor' sendo que o título em inglês está 'american way'?". Bom, a resposta é mais simples do que parece. "Truth, Justice & the Amercian Way" foi o lema do Super-Homem desde sua criação, a tradução em português seria "Verdade, Justiça e o Modo de Vida Americano", com o tempo, o mundo foi mudando e a DC foi percebendo que o herói não deveria defender apenas um país, afinal ele é o Super-Homem, ele tem poder para defender o mundo inteiro e ele se importa com o mundo inteiro, ele é o defensor da humanidade, não representante de um país, dessa forma, a editora resolveu mudar o lema do seu personagem mais importante para "Truth, Justice & a Better Future" trocando o modo de vida americano por um futuro melhor, isso foi apenas verbalizar o que o Super-Homem sempre defendeu, um mundo melhor.
Com uma arte pica, um comentário metalinguístico inteligente, uma história divertida e envolvente e personagens cativantes, "Superman: O Que Há de Errado com Verdade, Justiça e um Futuro Melhor?" com certeza está entre minhas histórias favoritas, provavelmente no top 20, uma forte recomendação para todos e aproveita que a Panini acabou de republicar em um lombada grampo bonitão por apenas R$ 22,90 (essa review, infelizmente, não é patrocinada). Nota: 10/10.
Agora eu quero deixar um questionamento, caro leitor, para que você reflita: Para um herói, os fins justificam os meios?
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Por Theo Pacheco.
*Na verdade foi o Batman que disse isso.
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